DIREITO DAS FAMÍLIAS: Adoção de netos por avós, conheça as divergências

  A divergência em duas decisões do Superior Tribunal de Justiça - STJ sobre adoção de netos pelos avós gerou discussões entre os oper...

segunda-feira, 21 de outubro de 2019

DIREITO DAS FAMÍLIAS: Adoção de netos por avós, conheça as divergências

 
A divergência em duas decisões do Superior Tribunal de Justiça - STJ sobre adoção de netos pelos avós gerou discussões entre os operadores do Direito nesta semana. Em fevereiro de 2018, o Tribunal afirmou que em circunstâncias excepcionais os avós podem adotar o próprio neto (REsp 1635649), apesar da vedação prevista no artigo 42, parágrafo 1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente. No entanto, em ação julgada em setembro deste ano, o STJ negou adoção do bisneto pelo bisavó (REsp 1796733), em face do mesmo disposto do ECA.

O art. 42, §1º, do ECA, citado em ambos os casos, estatui, como regra geral, a proibição da adoção de descendentes por ascendentes, objetivando tanto a preservação de uma identidade familiar como para evitar a eventual ocorrência de fraudes. Mas afinal, ele precisa ser seguido à risca ou existem circunstâncias excepcionais?

Para Flávia Brandão, presidente do Instituto Brasileiro de Direito de Família - IBDFAM seção Espírito Santo, a adoção é um procedimento regulado por dispositivos próprios com vários critérios.

“Nos termos do art. 42, §1°, do ECA, ascendentes e irmãos não podem adotar. Desta forma fica clara a conclusão que avós não podem adotar seus netos. No Brasil, o número de avós que criam seus netos é elevado e a vontade da adoção se mostra presente. Com base no princípio do melhor interesse do menor essa regra foi mitigada, tanto assim a decisão de 2018”, afirma.

No entanto, ela afirma que não é uma regra geral. Por isso, esta é uma decisão excepcional e que demanda bastante cuidado do julgador, tomando como referência o caso concreto.

“As famílias modernas mudaram de perfil. Situações existem em que os avós efetivamente criam seus netos como pais e o menor está no contexto familiar na posição de filho”, diz.
Para a advogada, o vínculo de parentesco se estabelece nesses casos a partir desse contexto social e não por imposição legal apenas. “Desta forma temos que o ECA, no art. 42, §1°, veda a adoção. Mas na busca pelo melhor interesse da criança temos uma legislação afirmativa a favor e devemos observar o artigo 227 da Constituição Federal, assim como os arts 3°, 6° e 15º, assim como a Convenção Internacional dos Direitos das Crianças”, ressalta.

Caso de 2018 repetiu entendimento de 2014
Patricia Novais Calmon, advogada e membro do IBDFAM, lembra que a decisão favorável do STJ a adoção dos netos pelos avós, em 2018, repetiu um entendimento proferido em 2014 (REsp 1635649).

Em ambos os julgamentos, o STJ reputou possível a pretendida adoção por ascendentes, levando em consideração o fato de ser o neto gestado a partir de abuso sexual sofrido pela sua mãe, onde, em virtude do forte abalo psíquico e/ou idade desta, os avós se responsabilizaram integralmente pelos cuidados da criança.

Ela lembra que, inclusive, nos dois casos o papel intrafamiliar e social exercido pelo adotando era de filho (dos avós) e irmão (da mãe biológica). “Trata-se de um nítido caso de parentalidade socioafetiva previamente constituída desde tenra idade, a demandar uma resposta positiva pelo Poder Judiciário, que possui métodos hermenêuticos distintos do gramatical para interpretar o texto da lei. É possível, portanto, aplicar o método sistemático, onde se extrai a norma a partir da análise de todo o ordenamento jurídico, além de ser plenamente viável o exercício da ponderação no caso de colisão entre normas jurídicas”, destaca.

Nos casos tratados em 2014 e em 2018, houve a colisão entre a regra prevista no art. 42, §1º, do Estatuto da Criança e do Adolescente, que dispõe expressamente que “não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando” e, por outro lado, do princípio do melhor interesse da criança.

“Deve-se recordar que este princípio é norteador de toda a interpretação dos direitos das crianças e dos adolescentes, decorrendo da proteção integral prevista no art. 227 da CR/88, sendo amplamente reconhecido no âmbito internacional. Realizando um louvável exercício de ponderação entre as duas normas jurídicas acima mencionadas, o STJ considerou que, excepcionalmente, seria possível a referida adoção por ascendentes”, diz.

A advogada diz que de fato os fundamentos utilizados para vedar a adoção por ascendentes remetem a causas de natureza patrimonial, social e pragmática, conforme citado no julgado de 2018. Já nos casos em que se viabilizou a adoção, excluindo-se as preocupações com os aspectos puramente patrimoniais em si, que não devem prevalecer de forma absoluta no atual modelo de Direito das Famílias - pautado no afeto e não mais em um cenário patriarcal e patrimonialista de pouco tempo atrás -, e, principalmente, por presumir a má-fé dos envolvidos, não existe razão hábil para a negativa de reconhecimento do vínculo de filiação por parte do Judiciário.

“Isso porque inexistiria a referida ‘confusão na estrutura familiar’, pois o adotando já se encontrava no exercício do seu papel intrafamiliar e social de filho/irmão e, ainda, pelo fato de ser através da aplicação do instituto da adoção que o adotando teria a sua própria dignidade respeitada e reconhecida, de pertencimento efetivo ao núcleo familiar ao qual já está inserido, sem um descompasso com as construções sociais predeterminadas e nominais de membros de família. Portanto, a medida seria útil a garantir os direitos dos envolvidos”, afirma.

Não houve dissonância com a decisão de 2019
A advogada diz que nos julgados que admitiram a adoção por ascendentes (de 2014 e 2018), verifica-se uma expressa menção sobre a excepcionalidade da medida. Por isso, ela diz que não parece ter havido, de fato, uma dissonância jurisprudencial a respeito do tema da decisão tomada em setembro deste ano.

Isso porque, no caso de 2019, o adotando já era maior de idade e tinha sido criado pelos avós em razão de carência de recursos financeiros por parte de sua mãe, o que é uma realidade comum no Brasil. Bem diferente, por exemplo, do caso de 2014, onde a mãe biológica ficou gestante aos 8 anos de idade em razão de abuso sexual e, por conta da sua idade e pelo trauma desenvolvido, os avós se responsabilizaram integralmente pelos cuidados do neto, conferindo-lhe tratamento de filho e irmão de sua mãe biológica.

“Deve-se ressaltar que a decisão de 2019 foi exarada pela Terceira Turma do STJ em julgamento por maioria, tendo voto vencido da ministra Nancy Andrighi e do ministro Ricardo Villas Bôas. No julgado de 2014, o ministro relator, Moura Ribeiro, foi favorável à adoção por ascendentes, tendo decidido de forma diferente no caso de 2019, por não entender que se tratavam das mesmas situações fáticas a viabilizar a ponderação entre normas jurídicas. Assim, denota-se uma tendência de flexibilização da vedação legal por parte do referido órgão colegiado em casos excepcionais”, sinaliza.

A favor da adoção por avós
Patrícia Calmon diz ser a favor que os avós possam adotar os netos. No entanto a análise do caso concreto se impõe e é imprescindível. De acordo com ela, a adoção é reconhecida pela doutrina como um ato de amor. Portanto, aferindo-se no caso concreto que existe efetivo vínculo de parentalidade socioafetiva entre os envolvidos, principalmente quando se estiver diante de situações excepcionalíssimas como naquelas apontadas nas decisões de 2014 e 2018, a adoção se mostra como essencial para preservar os direitos dos envolvidos, seja no aspecto social ou afetivo.

“Adentrando a análise do caso, essencial que os demais requisitos objetivos e subjetivos para a adoção sejam aferidos, sendo o mais importante deles o previsto no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente (aplicável de forma subsidiária à adoção de maiores), que assim prevê: ‘A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos’”, lembra.

Assim, fundando-se em motivos legítimos, como, por exemplo, a existência de parentalidade socioafetiva e, não sendo o caso de má-fé comprovada dos envolvidos, que pretendem desvirtuar a finalidade do instituto apenas buscando benefícios pecuniários, um destes requisitos mostra-se preenchido.

Ela ressalta que alia-se, ainda, o fato de se apresentar a adoção como uma vantagem real para o adotando, conferindo-lhe dignidade, inserção e pertencimento àquele núcleo familiar. Frise-se: tais requisitos devem ser aferidos pelo juiz no caso concreto.

“Nesses moldes e preenchendo os requisitos para a adoção, sou plenamente favorável à adoção por ascendentes e à flexibilização da vedação legal. Contudo, tudo isso só pode ser verificado de acordo com as nuances do caso concreto”, finaliza.

Fonte: Assessoria de Comunicação IBDFAM

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

DIREITO DAS FAMILIAS: Acréscimo de sobrenome do cônjuge é direito personalíssimo?


A 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça -STJ concedeu recentemente a uma mulher o direito de alterar seu registro civil, acrescentando o sobrenome do marido decorridos sete anos de união. Ela já havia incluído um dos sobrenomes na ocasião do casamento.

O pedido havia sido negado em primeira instância pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, que entendeu não haver justificativa para a alteração e optou por respeitar o princípio da imutabilidade dos sobrenomes.

No recurso ao STJ, a requerente argumentou que não há disposição legal que restrinja a inclusão de sobrenome do cônjuge apenas à época do casamento. Por outro lado, a alteração se justificaria pela notoriedade social e familiar do sobrenome ainda não adicionado.

Direito personalíssimo
O ministro Villas Bôas Cueva, relator do recurso, concordou com os argumentos. Ele enfatizou que é direito personalíssimo modificar sobrenome em razão de matrimônio. Para Márcia Fidelis, oficial de registro civil e membro do IBDFAM, o provimento é acertado e se coaduna às recentes decisões do STJ pela maior autonomia quanto à harmonização dos sobrenomes que identificam o núcleo familiar.

“Na moderna visão pluralista das entidades familiares, as conformações da família nuclear podem dar origem a um verdadeiro mosaico, com variedades de sobrenomes e cada membro com uma composição de nome diferente”, analisa Márcia Fidelis.

“A possibilidade de repensar combinações de sobrenomes que melhor espelhem e identifiquem todos os membros daquela família poderá trazer benefícios psicológicos inimagináveis, principalmente para aquelas pessoas que valorizam essa identidade familiar através de sobrenome comum”, defende a oficial de registro civil.

Famílias recompostas
A liberdade conferida atende especialmente as famílias recompostas - formadas por pessoas que já tiveram história familiar, com uniões anteriores. “Realidades posteriores ao casamento, como multiparentalidade e adoção, são circunstâncias que justificariam perfeitamente o desejo de readequar o nome de um ou ambos os cônjuges, no intuito de privilegiar a coincidência de sobrenomes”, aponta Márcia.

Ainda que existam resistências na doutrina, na jurisprudência e por representantes do Ministério Público, vivencia-se, segundo Márcia, “uma constante reivindicação social de liberdade e autonomia quanto às decisões que são afetas às relações privadas, principalmente quando influenciam diretamente nas questões de família.”

 Ela chama a atenção para o objetivo histórico do nome: identificar juridicamente pessoas que são membros de uma mesma entidade familiar. “Dificultar essas adequações pode ter um efeito negativo desnecessário em determinados indivíduos pelo possível sentimento de não pertencimento à sua própria família. Nada justifica criar esse óbice”, defende Márcia.

Provimento 82 do CNJ
Em julho deste ano, foi publicado no Diário Nacional de Justiça o Provimento 82 do Conselho Nacional de Justiça - CNJ, que dispõe, principalmente, sobre o procedimento de averbação, no registro de nascimento e no de casamento dos filhos, da alteração do nome do genitor, além de outras providências.

A medida, segundo Márcia, desburocratiza e desjudicializa procedimentos que privilegiam adequações nos sobrenomes em função de conformações familiares. Inova, ainda ao permitir, ao viúvo ou à viúva, a retomada de seu nome anterior ao casamento, sem que, para isso, tenha que contrair novo matrimônio.

“O ato normativo dispensa a tutela jurisdicional para a harmonização dos nomes dos cônjuges e ex-cônjuges por contraírem casamento ou dissolvê-lo, criando possibilidade de alterar seus respectivos nomes nos registros dos filhos. Possibilita ainda, nesses casos específicos, que os nomes completos dos filhos tragam sobrenomes das famílias de seus ascendentes em relação a todos os pais e/ou mães que compõem a sua filiação”, aponta Márcia.

“Tanto a decisão recente do STJ quanto os atuais provimentos do CNJ, com ênfase no Provimento nº 82, vêm privilegiando a autonomia da vontade nas relações privadas, impondo ao Estado a garantia do exercício do direito ao nome”, finaliza.

Fonte: Site IBDFAM