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quarta-feira, 5 de julho de 2017

DIREITO ANIMAL: A Emenda Constitucional 96/2017 e o futuro das manifestações culturais envolvendo animais.




Em 07/06/2017 foi editada a Emenda Constitucional nº 96/2017 que acrescentou o § 7º ao Art. 225 da Constituição Federal, passando a vigorar com o seguinte texto:

“§ 7º Para fins do disposto na parte final do inciso VII do § 1º deste artigo, não se consideram cruéis as práticas desportivas que utilizem animais, desde que sejam manifestações culturais, conforme o § 1º do art. 215 desta Constituição Federal, registradas como bem de natureza imaterial integrante do patrimônio cultural brasileiro, devendo ser regulamentadas por lei específica que assegure o bem-estar dos animais envolvidos."

Antes de adentrar ao mérito da questão, é importante esclarecer um pouco mais sobre uma das manifestações culturais, envolvendo animais, mais conhecidas no Brasil.  

A vaquejada é uma atividade cultural do Nordeste brasileiro, na qual dois vaqueiros montados a cavalo têm de derrubar um boi, puxando-o pelo rabo, entre duas faixas de cal do parque de vaquejada. Não raramente, segundo laudos apresentados pela Procuradoria Geral da República, a atividade provoca danos à saúde dos bois, como: fraturas nas patas, traumatismos e até arrancamento do rabo, resultando em comprometimento da medula e dos nervos espinhais, causando dores físicas e sofrimento mental ao animal.

No Brasil, vaquejada é uma prática cultural comum nos Estados do Nordeste. Tal prática é duramente criticada pelas entidades protetoras dos animais, sob alegação dos maus tratos sofridos pelos animais que dela participam. Por sua vez, os praticantes e empresários do ramo alegam que não há maus tratos aos animais, pois se trata de um esporte e balizando seus argumentos na movimentação da economia local, através da geração de renda e emprego para a região.



Uma mudança de entendimento - Animais como seres sencientes



                Em que pese seja uma prática centenária e até muito apreciada pelas pessoas, deve-se ressaltar a importância da mudança de paradigmas em todo o mundo no que diz respeito aos animais.



                Em seu significado literal, Senciência, é a "capacidade de sofrer, sentir prazer ou felicidade", independente do grau de consciência ou percepção do ser. Com base nisso, os animais são seres sencientes e, por isso, devem ser respeitados em sua individualidade, sendo esse o argumento-base que justifica o fim das atividades que causam maus-tratos aos animais. 



           A contrário senso, aqueles que defendem a vaquejada entendem pela inferioridade dos seres não humanos, logo, não são dignos de compaixão, tampouco devem ter sua integridade preservada.



                O mais recente precedente jurídico se deu com o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade da Lei Estadual 15.299/2013, editada pelo Estado do Ceará, regulamentando a vaquejada e trazendo os requisitos para a competição, inclusive quanto aos critérios de segurança para todos os envolvidos.  Como argumento para a ADI apresentada, a Procuradoria-Geral da República alegou que algumas práticas cruéis com os animais passaram a ser adotadas, como o açoite dos animais antes de serem soltos na arena.



                Os argumentos apresentados foram embasados na vedação expressa existente no Art. 225, § 1º, VII da Constituição Federal de 1988: 

 

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.



§ 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:



VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade.

                

Ao acolher o pedido formulado pelo Procurador-Geral da República, o STF entendeu pela inconstitucionalidade da Lei Estadual 15.299/2013 por apresentar um conflito de normas sobre direitos fundamentais, deixando claro que, neste caso, devem prevalecer os direitos de caráter coletivo, ou seja, aqueles direitos que serão garantidos para a sociedade atual e do futuro, também chamados de direitos de terceira dimensão.



                O STF entendeu que, mesmo havendo garantia constitucional do exercício e da proteção das manifestações culturais pelo Estado, tais práticas não poderiam prevalecer sobre a proibição da crueldade com os animais, pois aqui o objeto da proteção são o meio ambiente e a coletividade.



 É inconstitucional lei estadual que regulamenta a atividade da “vaquejada”.

STF. Plenário. ADI 4983/CE, Rel. Min. Marco Aurélio, julgado em 06/10/2016 (Info 842).



É importante deixar claro que a decisão proferida na ADI 4983 é válida somente para o Estado do Ceará e que novas leis que versem sobre o mesmo tema deverão ser questionadas no STF.



Como forma de reação à declaração de inconstitucionalidade da lei cearense e com vistas a garantir a atividade da vaquejada, o Congresso Nacional editou a Lei nº 13.364/2016 que elevou a vaquejada e atividades afins, à condição de patrimônio cultural imaterial:



“Art. 1º Esta Lei eleva o Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, à condição de manifestações da cultura nacional e de patrimônio cultural imaterial.

Art. 2º O Rodeio, a Vaquejada, bem como as respectivas expressões artístico-culturais, passam a ser considerados manifestações da cultura nacional.”



                Após a edição da Lei nº 13.364/2016, verificou-se que, sozinha, tal lei não teria força jurídica para superar a decisão do STF e, nas palavras do professor Marcio André Lopes Cavalcante, isso ocorre “porque, na visão do Supremo, a prática da vaquejada não era proibida por ausência de lei. Ao contrário, a Corte entendeu que, mesmo havendo lei regulamentando a atividade, a vaquejada era inconstitucional por violar o art. 225, § 1º, VII, da CF/88.



                Ciente da vulnerabilidade da Lei nº 13.364/2016 o Congresso Nacional decidiu alterar a Constituição Federal, como forma de garantir a atividade da vaquejada e superar o entendimento jurisprudencial sobre o assunto, editando a Emenda Constitucional nº 96/2017 que trouxe, expressamente, a desconsideração das práticas esportivas que utilizam animais como práticas cruéis, desde que sejam consideradas – através de lei específica – como patrimônio cultural imaterial brasileiro. 



                Por fim, é importante informar que as entidades de proteção aos animais já começaram a se mobilizar para solicitar a declaração de inconstitucionalidade da EC 96/2017 e no dia 13/06/2017, o Fórum Nacional de Proteção e Defesa Animal protocolou Ação Direta de Inconstitucionalidade da referida emenda com o argumento que a iniciativa do legislativo viola frontalmente cláusulas pétreas da Constituição Federal, ao tentar abolir o Direito Fundamental trazido pelo Art. 225 da CF/88.



A ação recebeu o número ADI 5728 e terá a relatoria do Ministro Dias Toffoli.

               

Diante dos fatos apresentados, resta a dúvida se a EC 96/2017 será considerada inconstitucional. 


Por Thalita Dias Braga
Advogada
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Esse artigo é de responsabilidade da autora.



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